HÁ UM SÉCULO
Pelo Espírito Hilário Silva. Psicografia de Francisco
Cândido Xavier.
Livro: O Espírito da Verdade.
Lição nº 52. Página 125.
Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, naquela
triste manhã de abril de 1860, estava exausto, acabrunhado.
Fazia frio.
Muito embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e
a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para a obra gigantesca que
os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos.
A pressão aumentava...
Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa.
Quando mais desalentado se mostrava, chega a paciente
esposa, Madame Rivail - a doce Gaby -, a entregar-lhe certa encomenda,
cuidadosamente apresentada.
O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta singela.
E leu:
“Sr. Allan kardec:
Respeitoso abraço.
Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a
sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de
esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso.
Sou encadernador desde a meninice, trabalhando em grande
casa desta capital.
Há cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou
minha companheira ideal.
Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e
esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette
partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia.
Meu desespero foi indescritível e julguei-me condenado ao
desamparo extremo.
Sem confiança em Deus, sentindo as necessidades do homem do
mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o
caminho de tantos outros, ante a fatalidade...
A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de
trapo humano.
Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me
com a dispensa.
Minhas forças fugiam.
Namorava diversas vezes o Rio Sena e acabei planejando o
suicídio.
“Seria fácil, não sei nadar” – pensava.
Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia.
Em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me
dominaram mais fortemente, busquei a Ponte Marie.
Olhei em torno, contemplando a corrente...
E, ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto
algo molhado que se deslocou da amurada, caindo-me aos pés.
Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera.
Tomei o volume nas mãos e, procurando a luz mortiça de poste
vizinho, pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso.
“Esta obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom
proveito. - A. Laurent.”
Estupefato, li a obra - “ O Livro dos Espíritos” - ao qual
acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às suas mãos abnegadas,
autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver.
Ainda constavam da mensagem agradecimentos finais, a
assinatura, a data e o endereço do remetente.
O Codificador desempacotou, então, um exemplar de “O Livro
dos Espíritos” ricamente encadernado, em cuja capa viu as iniciais do seu
pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não
somente a observação a que o missivista se referira, mas também outra, em letra
firme: - “Salvou-me também. Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação.
- Joseph Perrier.”
Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail
experimentou nova luz a banhá-lo por dentro...
Conchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em
termos de desânimo ou sofrimento, mas sim na pauta de radiosa esperança.
Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o
sacrifício e desconhecer as pedradas...
Diante de seu espírito turbilhonava o mundo necessitado de
renovação e consolo.
Allan Kardec levantou-se da velha poltrona, abriu a janela à
sua frente, contemplando a via pública, onde passavam operários e mulheres do
povo, crianças e velhinhos...
O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos
haustos, e, antes de retomar a caneta para o serviço costumeiro, levou o lenço
aos olhos e limpou uma lágrima...
(Texto recebido em email de Antonio Sávio, divulgador de
Belo Horizonte, MG)
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